🤔
Sou
do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a
gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido.
Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém
avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa
recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por
um.
–
Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E
o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus
irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
–
Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A
conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe
de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo
sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede,
duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa
singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também
eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também
costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia
alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
–
Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se
de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas,
queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava
todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra
que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no
abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que
acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando
saíamos, quase sempre antes das 22:00 h, os donos da casa ficavam à porta até
que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa,
caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela
ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com
o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também
ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no
horizonte da noite.
O
tempo passou e me formei em solidão.
Tive
bons professores: televisão, vídeo, DVD, internet, e-mail, celular, Whatsapp
... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a
gente combina encontros com os amigos fora de casa:
–
Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim,
as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos
anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis
e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas
trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café,
dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos de
nata...
Que
saudade de um compadre e de uma comadre!...
Créditos:
José Antônio Oliveira de Resende
Professor
de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e
Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.
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